Talvez, a única lição dessa crise é que a qualidade da Liderança determina o sucesso ou o fracasso de um pais. Afinal, incompetentes sempre farão burrices e ladrões sempre cometerão ilícitos. Se as mentes brilhantes e as almas limpas ficam na plateia, o palco será invadido por aqueles que não sabem nem querem ajudar o Brasil
Cheguei no Brasil em 2011. Antes morava na França. Vi a economia brasileira atingir o pleno emprego (sobre todo no eixo São Paulo- Rio de Janeiro) e experimentei a sua caída brutal após a Copa do Mundo. Como estrangeiro, foi a primeira crise econômica versão tropical da minha vida. Um choque extraordinário pela amplitude e cujo impacto foi devastador em milhões de vidas humanas que trancaram a faculdade, perderam sua casa ou tiveram que sair do pais. Tudo indica que a situação irá melhorar em breve. O que nos ensinou essa crise? Como observador imerso no Brasil onde vivo e trabalho, me arrisco a dizer que a crise serviu para nada. Aprendemos pouco, bem pouco tanto na política, como na economia e na diplomacia.
Primeiro, o Brasil demonstrou uma esplêndida estabilidade política e social. O desemprego explodiu, a presidente foi impedida, políticos do primeiro escalão foram presos, mas nada aconteceu nas ruas. Eis um pais fácil de governar! Vez ou outra, houve alguns protestos dominicais na Avenida Paulista, mas nunca se chegou perto de distúrbios urbanos. A tropa de choque não teve que ser usada porque o povo (incluindo a classe média na definição do povo) não se rebelou. Continuamos a pagar os impostos, a abrir as lojas e a xingar os políticos na padaria. A apatia política brasileira atingiu ápices difíceis de explicar para um olhar estrangeiro.
O povo perdeu a batalha faz tempo. Não interessa mais ninguém. Refiro-me aos milhões de trabalhadores com ou sem carteira assinada que ganham 2300 Reais por mês em São Paulo (salário mediano na capital). É bem mais fácil entregar dezenas de km de ciclovia do que trazer saneamento básico a uma favela ou limpar o Rio Tiete. É mais cômodo subsidiar artistas de rua do que se certificar da presença efetiva do médico de plantão nas Unidades Básicas de Saúde. Da menos dor de cabeça e fica bem mais glamouroso nas redes sociais.
A sociedade civil está desorientada. Cobra os políticos pela crise, mas idolatra a aristocracia do futebol cujos ingressos ofendem qualquer racionalidade econômica. A vida de um jogador de futebol vale milhares de vezes a minha como executivo, nem me atrevo a fazer esse cálculo no caso de um operário ou de uma diarista. Ouvi poucos se indignarem com isso. Preferem apontar o dedo aos grandes empresários donos de mansões luxuosas e jatos privados. Mas, eu acho normal um empreendedor de sucesso (honesto e inovador) acumular riquezas, ele cria empregos e desenvolve territórios. Menos óbvio fica a lógica atrás da canalização de recursos a esportistas e artistas que nem criam riquezas nem tomam riscos. Estamos desorientados sim, a crise não conseguiu abrir nossos olhos sobre a Sociedade do Espetáculo. Passamos sem perceber dum sistema mais ou menos atrelado a Produção a um paradigma que garante abundância de recursos a quem faz girar a máquina do entretenimento. Antigamente, quem era imunizado contra as reviravoltas da economia era o clérigo. Hoje em dia, esse privilégio está com o Neymar e o Benzema.
A Esquerda parece estar a milhares de anos luz de qualquer autocritica. Refugiou-se no que ela mais gosta: acusar os supostos inimigos do povo e do progresso. Alguns líderes petistas, que não faz muito tempo comandavam os rumos do pais, aparentam estar aliviados com os recentes desdobramentos da Lava Jato. Ficam felizes em saber que o PT não é o único partido atingido por escândalos de corrupção. Se eu fosse militante de esquerda, estaria muito indignado com essa linha de pensamento fracassada e esses dirigentes inócuos.
A Direita (será que o PSDB é mesmo de direita?) vem olhando para os eventos recentes com passividade. Vez ou outra, parabeniza a Justiça de Curitiba e se indigna com o desemprego, mas como sempre perde todos os encontros marcados com a História. Ela não aproveitou o terremoto da Lava Jato para propor uma agenda “revolucionária” que peça uma reforma política profunda. Deixa o campo cultural e a arena intelectual as Ideais de Esquerda. Vem sendo assim nas universidades, nos jornais e nos círculos intelectuais.
Sobre o PMDB, não falo nada por dois motivos: (a) não sou jornalista e os comentaristas acompanham muito bem a ação do governo federal e (b) desejo sinceramente ao governo Temer todo o sucesso possível. Se ele der certo, a campanha presidencial de 2018 será “útil” porque poderíamos por fim colocar na mesa temas estruturantes como a Educação e a reforma institucional. A nossa atenção iria ao que realmente importa, longe da crônica judiciária e das revelações bombásticas dos delatores.
Olhando para as instituições, admiro a atuação extraordinária de um pequeno grupo de funcionários públicos, juízes e promotores, que pagaram um preço alto para viabilizar a operação Lava Jato. Moro e Dallagnol e tantos outros entraram na História. Porém não vejo muito motivo de celebração. Uma meia-dúzia de magistrados comprometidos com o Brasil conseguiram desvendar o maior escândalo de corrupção dos tempos modernos. Não precisaram da ajuda de ninguém nem de um concurso extraordinário de circunstanciais: fizeram somente o trabalho que cabia a eles. Se eu fosse juiz, sentiria um leve desconforto diante dessa situação. Afinal, não é difícil prender político ladrão nesse pais, é só sair da zona de conforto e querer investigar. Dito de outra maneira, crise ou não, estamos ainda com um sistema judiciário que recebe bem, demora para render justiça e não tem grandes resultados no combate a corrupção. Amanhã, Moro vai se cansar ou se aposentar, quem irá prosseguir com a missão? Um super-herói ou uma geração nova de funcionários públicos interessados em ver a Justiça servir melhor esse pais? Prefiro a segunda opção.
Na arena internacional, os problemas do Brasil não causaram transtornos a ninguém. O “Brasil potência” é ainda um mito. A nossa voz é baixinha na hora de tratar dos grandes temas que interessam o mundo: o Oriente Médio, o Radicalismo, o Livre Comercio, o Aquecimento Global. Quem lembra ainda dos BRICS? Quem fala ainda de colaboração Sul-Sul? Somos o pais da tolerância religiosa, uma terra que abraça refugiados, uma cultura que apesar de tudo valoriza as mulheres, mas não conseguimos traduzir esses fatos em “soft power”. Temos vários ingredientes para contar a Humanidade uma história linda, mas não conseguimos ainda escrever um bom roteiro.
Temos os atores, mas lhes falta ambição. Lula, em vez de se afundar em atividades partidárias depois de ter saído do Planalto, poderia ter sido um símbolo do renascimento do sindicalismo a nível mundial. Um sindicalismo moderno, aberto as tecnologias e que não tem medo de atravessar fronteiras. Eis um tema que teria federado boas energias ao redor do Brasil tantos nos países desenvolvidos como nos mais vulneráveis. De Paris ao Manila, se procura um modelo de sindicalismo que proteja os trabalhadores tanto como incentive o crescimento econômico. Um sindicalismo para os freelances da era digital como para os funcionários das multinacionais. Um sindicalismo que entenda de produtividade e que abrace os novos métodos de trabalho. Quem melhor do que o Lula para liderar essa reflexão nos fóruns internacionais? Estou sonhando em voz alta, ele escolheu “articular” a partir de São Bernardo do Campo, Lula preferiu pensar pequeno.
Nessa crise, as empresas pagaram um preço alto. Tudo bem, é normal destruir para reconstruir mais tarde. Infelizmente, boas empresas quebraram por culpa de governos que não sabem pagar os fornecedores e de bancos que cobram juros altíssimos. Todos os políticos têm a palavra start-up na boca, fica bonita nos discursos na hora de inaugurar incubadores, mas nunca seremos uma Silicon Valley tropical. Ao sair dessa crise, continuaremos com um dinheiro caro e uma burocracia pesada. Vários órgãos do governo seguiram a velha política que consiste em armar uma “festa” com o financiamento público e chamar um clube seleto de empresas a participar da “farra”. Um novo “ciclo” de crescimento econômico, dizem. Que pena!
Há esperança ainda? Sinceramente, perdi a ilusão de ver o Brasil encarar as reformas urgentes, aquelas que os ingleses chamariam de “elephant in the room”: salvar o sistema educativo, reformar os tributos, modernizar a infraestrutura, reduzir a obesidade do governo, etc. Acompanho com muita admiração os primeiros dias do Joao Doria na prefeitura de São Paulo. Pela primeira vez, escuto na boca de um gestor público linhas de raciocínio que estimulam a inteligência e o bom senso. O exemplo de Doria coloca o dedo a onde dói mais no Brasil, ou seja, na falta de liderança tanto no mundo político como empresarial. Sejamos sinceros, alguém se lembra de uma medida sensata oriunda das federações industriais desde o início da crise? Alguns mega-empresários parecem viver em outra dimensão, já que o Brasil é um mercado – um risco – como outro no seu portfólio de investimentos. Essa desafeição dos líderes pela res publica abre o caminho para os incompetentes e os desonestos.
Talvez, a única lição dessa crise é que a qualidade da Liderança determina o sucesso ou o fracasso de um pais. Afinal, incompetentes sempre farão burrices e ladrões sempre cometerão ilícitos. Se as mentes brilhantes e as almas limpas ficam na plateia, o palco será invadido por aqueles que não sabem nem querem ajudar o Brasil. Quantos jovens com talento e garra moram no extremo sul de São Paulo e no Nordeste? Quantos conseguiram manter a chama viva e ingressar numa grande empresa e inventar o futuro Facebook? Quantos resolveram ficar no Brasil em vez de buscar a vida na Florida? Quantos futuros Dória vamos desperdiçar antes de mudar de rumo?
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