Um ano separa o Brasil das próximas eleições para presidente, governadores e deputados estaduais e federais. Um ano para que se ofereça uma alternativa viável e atraente aos eleitores. Um ano para que a opinião pública seja chamada a acabar de vez com a doença brasileira, que consiste em entregar o poder a pilantras e expulsar do jogo os bons e honestos.
O Novo significa para vários observadores da vida política uma esperança de renovação. Poderia chamar-se Partido do Bom Senso, tamanho é o atraso do Brasil em termos de debate doutrinário. O apagão das ideias é apenas disfarçado pela abundância de veículos de divulgação (TV e redes sociais). Longe se vão os anos abençoados do tropicalismo, em que impressionávamos o mundo pela ousadia na arquitetura, na música e no cinema. Ter bom senso é querer destravar a iniciativa privada, reduzir a obesidade do Estado e revolucionar a educação.
Contudo, não basta ter razão sozinho ou antes de todos. A história das ideias é farta em exemplos de escolas de pensamento e de movimentos políticos que foram varridos bem antes de terem servido à sociedade que tanto precisava deles. Para ficar em um só caso: os socialistas russos (Kerensky) foram silenciados por terem confiado demais em sua superioridade moral e intelectual. Um tal de Lênin e sua facção minoritária (os bolcheviques) lhes arrebataram o comando da Rússia em 1917 com as consequências que todos conhecemos.
O Brasil é como a Rússia em 1917: um regime em agonia, desmoralizado interna e externamente, um gigante acorrentado que foi capturado por interesses privados e cuja autoridade é diariamente questionada pelo crime organizado. O desafio do Novo é não ser uma vítima colateral da renovação política por vir, seja ela dentro do marco constitucional ou por meio de choque externo.
O drama dos moderados sempre foi serem moderados também nas táticas adotadas. Falta-lhes a agressividade dos partidos velhos. Enganam a si mesmos ao confiar demais na força dos números (o PIB cresceu x%, a taxa Selic caiu y%). Esquecem que, em política, oportunismo e garra são tão essenciais quanto um programa econômico assinado por Stiglitz ou Armínio Fraga. Não se ganha eleição sem uma militância na rua, sem uma tropa de choque formada por apoiadores capazes de fazer a segurança das passeatas e revidar as intimidações do campo adversário.
O corpo eleitoral que elegeu Lula duas vezes mantém Collor em cargo eletivo, sustentou a dinastia Sarney e o cara de pau Eduardo Cunha… Esse corpo eleitoral não vai mudar de um dia para o outro. Ele recebeu a herança maldita da nossa cultura política falida, que fez do Brasil um país velho (como o sul da Itália) e não uma nação jovem (como os Estados Unidos).
Como gosto de vocês e de seus valores – me sinto em casa em cada um de seus eventos –, ofereço-lhes três sugestões. Aceitem-nas como um brinde de um amigo que quer seu bem (ninguém aqui é Messias).
Desenvolver uma universidade interna para líderes e candidatos. Seria uma ilusão crer que os meros princípios do liberalismo econômico conseguiriam arrecadar votos no Brasil. É preciso inventar uma maneira própria ao Novo de transmitir sua visão aos brasileiros, usando a linguagem deles e entendendo as especificidades do país (temos os problemas da Índia e não os do Silicon Valley). Para tal fim, deve-se reforçar o preparo doutrinário dos representantes do partido: candidatos, porta-vozes e militantes. Serem inteligentes e honestos não basta. Que sejam bons em debates, que tenham uma robusta cultura geral, que conheçam a América Latina e sua história recente. Que se apropriem do passado para construir o futuro com conhecimento de causa. Fico pasmo quando escuto candidatos afirmarem que Bolívar foi um líder de esquerda!
Dois módulos seriam necessários: (a) técnicas de debate e retórica e (b) fundamentos históricos e civilizacionais.
Construir um shadow cabinet que seja um governo “na reserva” e que, apesar de não se encontrar ainda no comando da nação, mostre habilidade para formular soluções e articular estratégias para cada grande tema nacional: educação, saúde, justiça, meio ambiente etc.
Cansamos de partidos e de líderes monossilábicos: delegados que falam somente de bala, fazendeiros que se especializam em soja e código florestal… O Novo tem capacidade para formular uma política de governo integrada e múltipla, com propostas para as questões concretas que interessam a todos. Não se pode focar no assunto do fundo partidário e esquecer que 99% dos brasileiros têm medo de sair às ruas (segurança e justiça), reclamam dos preços dos convênios (saúde), querem ganhar mais (emprego e finanças).
Cultivar uma rede de apoios no mundo intelectual e artístico. A esquerda entendeu que o glamour rende votos e há várias figuras de destaque que emprestam sua imagem a partidos podres. Ninguém chega ao poder pela beleza das ideias de Adam Smith e Milton Friedman. Faz sentido edificar um sistema de “companheiros” artistas e pensadores que possa lhes garantir algum grau de poder cultural. Web-TVs, blogueiros, festivais de música e teatro, todo tipo de manifestação envolvendo jovens deve ajudar o Novo a ocupar o campo das ideias e do divertimento, que vem sendo domínio exclusivo da esquerda.
O pior que poderia acontecer ao Novo seria virar um partido de nicho que tem seu minuto de fama durante o primeiro turno, com o recebimento de 10% ou 15% dos votos. Existem partidos e candidatos assim (a Rede da Marina Silva, por exemplo), que só servem para que o eleitor expresse uma indignação e se sinta bem por ter apoiado o sonho de um “Brasil melhor”. A alegria dura instantes contados, porque o eleitorado, conquistado a duras penas, se desintegra em vários contingentes, cada um escolhendo um dos candidatos qualificados ao segundo turno (Lula ou Bolsonaro, ao que tudo indica). E de pouco adianta torcer o nariz porque a Justiça Eleitoral não considera a psicologia do eleitor. Se for para ser uma agremiação nesses moldes, não vale a pena criar um partido: melhor ter uma ONG ou um think tank.
Na Espanha, um terço do parlamento é formado por deputados que nunca foram eleitos antes. O Podemos (esquerda radical) nasceu em 2014 e conseguiu 71 cadeiras nas eleições de 2016. Dito de outro modo: a terceira força política espanhola é uma criança! No outro extremo do espectro ideológico, o Ciudadanos ostenta 32 deputados, apesar de ter surgido do nada em 2006!
Por que esperar dez ou vinte anos para ver o Novo mudar por completo a vida pública brasileira?
Não temos tempo. O país está afundando, é a última chance de os moderados, a turma do Bom Senso, influírem nos rumos do país. Se não for assim, a grande porta estará aberta a toda classe de aventureiros. O Brasil merece mais!
São Paulo,
25 de agosto 2017
Driss Ghali é empresário e palestrante. Autor de Antes de morrer preciso de uma festa (Ed.Scortecci), um mergulho nos bastidores da diplomacia e da vida política na África.
Contato: manumilitarimagazine@gmail.com
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