Nenhuma teoria econômica, social ou política consegue explicar o fracasso do Brasil em virar um país sério. Nós, como povo, não damos conta de um território tão grande e afastado dos grandes focos de prosperidade, que são a Europa Ocidental, a América do Norte e a margem pacífica da Ásia.
Arrisco-me a lançar uma hipótese: o Brasil não dá certo porque é pobre em recursos humanos. Por ignorância, incompetência e corrupção não se cria riqueza suficiente para melhorar a vida da população e exercer o papel – natural – de potência regional.
A segunda hipótese que formulo é que a cultura brasileira perpetua a civilização mediterrânea nos trópicos. O povo brasileiro carrega o peso de valores e mentalidades que lembram a arcaica Sicília, muito mais do que o próspero País Basco ou a engenhosa Bavária.
O elemento humano que – desde o descobrimento – dominou a formação do Brasil foi o mediterrâneo (digamos, o latino) na sua vertente mais atrasada: patriarcal, feudal, pouco industrializada, avessa ao progresso técnico e tolerante com o ilícito. Não somos um povo de bandidos que comem pizza e bebem azeite de oliva. Não, de jeito nenhum. Somos sim responsáveis por prorrogar por 500 anos a cultura que imperou na Idade Média: um Estado falido, cínico e pouco presente; grandes famílias e clãs que proveem segurança e recursos a seus membros e clientes; alto grau (ou apetite) de violência simbólica e material, com castigos físicos e a lógica da vendetta (retaliação sem fim fora do marco legal).
O Brasil é uma UTI a céu aberto para um modelo de organização político-social que não para de agonizar. Nosso drama é que somos tão ricos – em recursos naturais – e tão distantes de superpotências – a China, por exemplo – que temos o luxo de seguir valores e padrões de comportamento da Idade Média. A propensão de nossos presos a decapitar dezenas de detentos, na primeira ocasião que se apresenta, personifica esse traço medieval em que os conflitos não se resolvem nem pelo diálogo, nem pelo comércio, nem pela negociação.
Nós, habitantes da América Latina, recebemos da Europa a herança maldita da Idade Média. Como Portugal, amplas províncias da Espanha e o sul da Itália, fomos esquecidos pelas Luzes do Renascimento, que prefiram iluminar o destino de outros povos. Estamos ainda na guerra de todos contra todos de Hobbes (Leviatã, lançado em 1651), enquanto o resto do mundo ocidental já passou por Rousseau (O contrato social, 1762) e Foucault (Vigiar e punir, 1975). Do Rio Grande ao Rio da Prata, o latino sente a toda hora o medo visceral de morrer de maneira violenta pela mão do próximo. Somos a civilização do instinto: ficamos felizes em sobreviver ao caos (urbano, político, social) enquanto outros sonham em mudar o mundo e explorar o universo. Precisamos ir até Miami ou Los Angeles para fazer algo grandioso; a própria música salsa precisou do profissionalismo das gravadoras americanas para vir à luz nos anos 1970.
De pouco adiantou a chegada de grupos humanos oriundos de outros horizontes: africanos, japoneses, alemães, russos etc. Todos tiveram, de uma maneira ou outra, que adotar a cultura dominante. Nessas condições, falta uma revolução cultural que faça o milagre. É preciso desconstruir o Brasil de agora para colher os frutos do Bem em trinta ou quarenta anos. Seria como trocar a turbina de um Boeing em pleno voo sobre o Atlântico, sem direito a pouso de emergência por falta de plano B.
Cumprir essa missão impossível seria uma façanha digna de ser lembrada nos livros de história. Seria por fim a materialização da tão adiada vocação universal do Brasil. O reencontro de um povo com a grandeza que o meio natural que o acolhe há 500 anos inspira. Exige um sacrifício por parte de uma geração de brasileiros, que aceitaria reduzir seu bem-estar para deixar um país mais sério a filhos e netos. O Japão fez isso entre 1945 e as Olimpíadas de Tóquio em 1964, a Coreia do Sul depois de 1953, a Espanha sob a longa ditadura de Franco (1939-1975). Por que não Brasil?
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