Para um país ter um apagão das ideias, basta as suas elites desistirem de produzir interpretações do que está acontecendo no mundo ao redor. Basta elas abrirem mão de formular projetos e encarnar valores que possam inspirar o conjunto da sociedade.
Atrás da palavra “elites”, encontram-se quem disfrutam de um poder, seja político, financeiro, simbólico ou cultural. Pertencem ao “povo” aqueles sobre os quais se exerce o poder. Usando essas definições, fica fácil entender que as classes médias– as chamo de classes “ mágicas” por que muitos vêm nelas a salvação do Brasil – fazem parte do povo sem a menor sombra de dúvida. Juntas as categorias mais humildes, elas também sentem o peso das decisões que vêm de cima. Ao contrário da opinião comum, têm pouquíssima influência sobre a agenda política e ficam em primeira linha em caso de turbulência econômica.
A boa notícia é que o povo brasileiro surpreende pela resiliência. Numa economia em ruínas, não perde a garra e continua criando empresas e pagando impostos. A notícia ruim é que as elites olham para outra direção na hora de exercer sua responsabilidade de produtoras de ideias. Se a missão mais nobre das elites é criar sentido onde domina confusão e incerteza, as nossas então falham dramaticamente nesse quesito.
Vamos ao grano sem rodeios. Quando falo de ideias não penso em coisas fáceis como conservar a natureza, defender os direitos humanos ou promover o uso do bike. Essas são meras “unanimidades”, ou seja, slogans que todos nós (salvo casos isolados) consideramos normais. Não polarizam a sociedade em campos opostos. Não exigem escolhas nem audácia para enfrentar oposições. Quem vai sair na rua para exigir mais desmatamento na Amazônia ou mais poluição atmosférica?
O que chamo de Ideias demanda mais trabalho e coragem intelectual. Como qualificar a maquinaria pública para entregar uma política eficiente em prol do meio ambiente? Qual tipo de policiamento convém num pais de proporções continentais como o Brasil, preservando os direitos humanos sem descuidar da segurança das pessoas e do patrimônio? Que modelo de mobilidade urbana promover se a especulação imobiliária tem a última palavra sobre o plano diretor de São Paulo? De que adianta promover o uso do bike se o sujeito que trabalha na Vila Olímpia tem que morar em Osasco porque o metro quadrado na zona sul beira a irracionalidade?
Precisa-se de elites para responder esse tipo de perguntas. Os países que saem vencedores da globalização contam com esse tipo de lideranças. Infelizmente, as nossas elites brasileiras se especializaram em repercutir slogans (boa parte deles importados da Europa ou dos Estados Unidos como essa mania de pintar as vias de tinta e chamar isso de ciclofaixa).
Porque chegamos a essa situação? Pergunta difícil. A seguir, me arriscarei a sugerir alguns caminhos para se meditar:
- No Brasil, o Estado é tão importante que até grafiteiro precisa do dinheiro público para existir (veja as polêmicas recentes em SP sobre a nova política do prefeito Doria em matéria de repressão aos pichadores). Queiramos ou não, com tanto subsídio irrigando os grupos de vanguarda cultural (cinema, teatro, ONG’s diversas, etc.), conseguiu-se infantilizar quem deveria pensar. O “Estado-Papai” comprou as consciências de quem tinha que pensar livremente. Baixo injeção permanente de “incentivos”, quem deveria chutar o balde e cobrar mudanças não o faz.
- A nossa juventude estuda tudo menos o que interessa. Tanto o mercado como as faculdades tendem a ultra especializar os alunos ao ponto de esquecer o óbvio: dominar pelo menos dois idiomas, expor o próprio ponto de vista de maneira coerente, aprender a aprender ou seja sentir curiosidade e querer ir além do consenso com rigor e moderação. Algumas instituições de ensino desistiram de formar cidadãos. Chegamos ao absurdo de considerar que um engenheiro não tem que saber nada de ciências políticas, como se ele fosse edificar pontes suspendidas na Lua! Sendo assim, não surpreende que as novas elites não tenham a mínima vontade de mudar as regras do jogo em Brasília ou a nível do Estado. Como o povo, se especializaram em se indignar com a situação do pais em vez de tomar uma atitude.
- Mergulhamos cegamente na civilização do Wikipédia. No nosso mundo interconectado, impera uma preguiça generalizada. Essa doença atinge todas as categorias sociais, até as mais elevadas.
- A última vez que tivemos elites de tirar o chapéu, fizemos “erros” fenomenais. Na minha opinião, o Brasil dos anos 1950-1960 contava com uma categoria de homens e mulheres excepcionais (JK, Niemayer, Roberto Marinho, Lina Bo Bardi, Carmen Portinho, etc.). Fizeram muitas coisas fantásticas. Mas, a gente lembra de Brasília mais do que outra coisa. Esquecemos de obras primas como o Aterro do flamengo, a Pampulha ou o parque Ibirapuera. Brasília é uma catástrofe cujo preço pagamos até o dia de hoje já que nossa nova capital virou uma reserva de políticos e servidores públicos alienados da realidade. Esse fracasso deve ter convencido o país de nunca mais pensar grande.
- Apesar de ter nascido em 1979 e de não ser brasileiro, tenho saudades da época do paulista Caio Prado Jr e do pernambucano Gilberto Freyre. Não importa que foram de direita ou de esquerda, impressionavam pelo seu pensamento inovador e pela maneira revolucionária com que abordavam os problemas tipicamente brasileiros. Precisa-se urgente de elites!
Leave a Comment